Ex-agente do CBP escapa da deportação após descobrir ser imigrante ilegal nos EUA

HOUSTON - Um ex-agente do Serviço de Alfândegas e Proteções das Fronteiras (CBP, sigla em inglês) e veterano da Marinha dos Estados Unidos, Raúl Rodríguez, esteve no corredor da deportação após descobrir que vivia ilegamente no país. Hoje, ele diz que voltaria a servir o órgão do governo que se encarrega, entre outras coisas, de processar a entrada de estrangeiros. 

O pesadelo de Rodríguez começou em 2018, pouco antes de se aposentar, quando sua certidão de nascimento mexicana foi revelada enquanto ele tentava dar a residência permanente (green card) para um irmão. 

Na época, os supervisores de Rodríguez, hoje com 54 anos, o chamaram ao escritório do CBP e informaram de que ele estava sendo investigado. Rodríguez teve que entregar seu distintivo e arma, e foi suspenso.

"Eles fizeram uma investigação enquanto o processo se desenrolava e encontraram uma certidão de nascimento. Naquela época, eu não sabia que tinha nascido no México até meu pai admitir isso”, explica.

"Meu pai disse que foi minha mãe quem inventou [que eu havia nascido nos EUA]. Ele nunca admitiu ter estado envolvido", acrescenta. 

A mãe de Rodríguez faleceu há algum tempo.

Com a confirmação do status imigratório irregular, o mexicano foi demitido do CBP. Seu tempo na Marinha, entre 1992 e 1997,  invalidado. 

Um revés para quem estava acostumado a lidar com milhares de casos de pessoas que queriam entrar nos EUA sem documentação adequada através da fronteira entre o Texas e o México 

Deportação

O ex-agente do CBP passou a enfrentar um processo de deportação. Ele temia que, ao ser expulso para o México, pudesse ser vítima de pessoas que queriam prejudicá-lo por causa de seu passado como agente de fronteira.

"Eles tentaram muito me deportar e me tirar dos Estados Unidos, apesar do que fiz e do que sacrifiquei por este país", diz Rodríguez, em alusão ao tempo que serviu a Marinha e como agente no CBP.

Rodríguez corria o risco de deixar para trás esposa, quatro filhos e cinco netos. Perder tudo pelo que havia trabalhado durante dia e noite o deixou com muita raiva. "Não sabia para onde ir. Não sabia o que fazer", conta.

"Meus colegas de trabalho disseram que não queriam mais ser vistos comigo. Eu os via em um restaurante e eles se viravam. Eles fazem você pensar que você não é mais um deles, que você é um pária".

"Me escondi. Passei de uma pessoa que fazia cumprir a lei para alguém que se escondia da lei. Foi assim que me senti. Senti como se estivesse fazendo algo errado".

Em novembro de 2022, um juiz de imigração cancelou a ordem de deportação contra Rodríguez e agora o mexicano, que é casado com uma norte-americana,  segue em processo imigratório com o objetivo de se naturalizar no país. 

"Li seu processo. Não acredito que este país fez o que fez com você. Você é um cidadão modelo. Você fez tudo certo. Você serviu em nossas Forças Armadas. Você serviu nosso governo. Não vejo nada de errado com você além do que dizem que você fez, mas você não sabia que não era cidadão", destacou o magistrado na sentença.

"Então, peço desculpas pelo que eles fizeram você passar e por todos esses obstáculos pelos quais você passou. Não acredito que fizeram isso com você. Então, eu concedo a você seu status de imigração."

A espera de quatro anos para escapar da deportação é justificada pelo alto índice de processos na fila e reflete a realidade de milhares de veteranos das Forças Armadas americanas. Apenas 4 mil benefícios como esse são aprovados por ano. 

Atualmente, Rodríguez trabalha como voluntário na organização Repatriate our Patriots (Repatriar nossos Patriotas, em tradução livre) para ajudar militares que foram expulsos dos EUA por estarem fora do status migratório. 

Um programa anunciado em 2021 pela administração de Joe Biden  já ajudou 65 veteranos extraditados a voltar ao país. 

'Você é americano'

Em entrevista à BBC, Raúl Rodríguez  conta que morou, desde pequeno, com parentes no Texas. Seus pais sempre viveram no México, em uma cidade perto da fronteira.

"A vida no México era difícil. Estava sempre procurando o que comer no dia seguinte. Não foi uma infância fácil", explica.

Quando Rodríguez tinha cinco anos, sua mãe lhe disse que ele teria que ir morar nos EUA, já que havia nascido nesse país e teria uma vida melhor.

"A razão que me deram foi que eu não poderia ir à escola no México porque era americano. Não confrontei meus pais. Então, quando minha irmã se juntou a mim, me senti aliviado. Mas, depois de três dias, ela voltou e eu fiquei lá", acrescenta.

Rodríguez teve que frequentar uma escola onde a maioria das crianças era branca e de um bairro rico, e diz ter sofrido racismo. "Me envolvi em muitas brigas devido aos insultos que recebia", relembra.

Decisões Difíceis

Hoje Rodríguez olha para trás e admite que como agente do CBP teve que tomar decisões difíceis envolvendo homens, mulheres e crianças, e até pessoas que conhecia. Muitas vezes, diz o mexicano, pensou se deveria permitir a entrada de pessoas sem visto que buscavam uma vida melhor nos EUA. 

Ele sempre optou em aplicar a lei. 

"Eu não estava disposto a arriscar o sustento da minha família ou ir para a cadeia por ninguém, porque minha família era mais importante", assinala.

O caso mais difícil de que se lembra, que o persegue até hoje, foi o de um estudante do Ensino Médio de uns 16 ou 17 anos.

"Ele morava nos EUA; foi estudar. Mas agentes de imigração quiseram checar sua situação migratória. Estávamos tendo uma conversa normal e descobrimos que ele não era cidadão americano. Na verdade, nasceu no México. Ele era menor de idade na época", explica.

"Tive que entrar em contato com o consulado do México para o jovem pudesse ser retirado dos EUA. E eles enviaram um oficial de imigração do outro lado da fronteira. Ele foi solto no México e esolveu voltar aos EUA passando de volta pela fronteira por baixo de uma ponte, atravessando a nado", continua.

"Ele foi encontrado afogado no rio no dia seguinte."

Rodríguez lamenta que aquele adolescente, com muitos sonhos e objetivos, com quem havia falado algumas horas antes, tenha morrido dessa forma.

Foi um caso que trouxe de volta memórias de si mesmo, quando criança cruzando a fronteira para ver sua família e voltando usando seu inglês fluente como "passaporte" para os EUA.

Treinamento de outros agentes

Mas, para ele, trabalhar no CBP não significa que quem tente entrar ilegalmente no país deva ser maltratado.

"Quando atravessava a fronteira, via a forma como me tratavam, como me olhavam e falavam comigo, a intimidação, que queriam me mandar de volta ao México por causa da minha aparência ou das minhas feições. Meu aspecto muito indígena me assombrou durante toda a minha vida enquanto crescia", lembra.

Em palestra aos novatos do CBP ele dizia: "Seja cortês, seja justo. Não trate as pessoas mal. Não as trate como criminosos quando as vir pela primeira vez. 99% dessas pessoas são boas pessoas."

Por outro lado, Rodríguez conta que sempre pediu aos recém-chegados que deixassem seus sentimentos em casa para evitar problemas no cumprimento da lei.

Questionado se, depois de tudo o que viveu, voltaria a trabalhar para o CBP, lidando com casos de imigrantes em apuros, Rodríguez não tergiversa.

"Sim. E vou lhe dizer o porquê: eu tinha que fazer meu trabalho da melhor maneira possível. Não posso fazer nada diferente porque tenho que fazer a coisa certa. Tenho que seguir as regras. Não poderia quebrar as regras porque seria uma decepção para minha família se eu o fizesse."


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